quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A IMPORTÂNCIA DA ARTE

Ceará-Mirim, ao longo e sua história, sempre esteve envolta com assuntos polêmicos que desagradavam a população. A imprensa procurava injetar palavras de estímulos aos concidadãos através de artigos que infamavam o ego e a auto-estima de seus leitores. Assim, garimpando meus arquivos, encontrei algumas dessas pérolas publicadas na Folha do Valle na década de 1930.

FOLHA DO VALLE
ANNO 1 – HEBDOMADARIO DE LETRAS E NOTÍCIAS – NÚMERO 6
RIO GRANDE DO NORTE – CEARÁ-MIRIM, 31 DE MARÇO DE 1935

CEARÁ-MIRIM, ACORDA!

Ceará-Mirim já teve a sua época áurea de progresso material e intelectual. Em tempos idos, a cidade verde era uma affirmação de vida e de esforço de seu povo. Hoje, resta apenas, das recordações mais próximas, a tristeza do passado. A voragem do tempo já matou no coração dos filhos da gleba ubérrima, crostada pelos raios do sol tropical, a fé gloriosa nos seus destinos.
Enquanto a população desiludida de melhoramentos se entrega aos seus quotidiannos affazeres, a terra verde alheia à sua própria sorte ...(texto ilegível) – a última esperança de seu sonho, de sua ilusão.
Ceará-Mirim, acorda!
Desperta dessa lethargia que te mata.
Dize àqueles a quem criastes e alimentastes, que elles são os exclusivos culpados de tua decadência actual.
Ensinaios a ser dynamicos e idealistas. É preciso, para tua completa rehabilitação no conceito dos centros adiantados, que não persistam as rotinas archaicas, a indifferença criminosa pelos elevados emprehendimentos, as (...) intestinas que não constroem, a prepponderância desaggregadora dos elementos alienígenas e a violentíssima e cruel hostilização dos legítimos rebentos do teu solo.
Pobre cidade triste! Não passarás de uma vasta necrópole solitária e branca, onde mãos humanas e más plantaram as primeiras sementes do egoísmo e do pessimismo que teem desgraçado os homens.

“Aluizio Macedônio”

NOTAS DE UM IMBECIL

Ceará-Mirim, posseu valores que viajam no anonimato criminoso do ostracismo literário, aos quais urge accordar, custe o que custar.
“Folha do Valle” confiante na verdade do axioma, “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, será o pingo d’água a bater sempre na consciência dos mesmos, até despertalos para a grande jornada de glória.
Para falar dos velhos citaremos entre os primeiros, o espírito altamente intelectual de Riquette Perreira, o “Ripper” assíduo na colaboração de almanaques de charadas, o qual pode com sua assistência literária, engrandecer as colunnas de qualquer orgam de imprensa.
Magdalena Pereira, figura para a qual toda e qualquer qualidade boa que se lhe empreste, é cabível e acceitável, não só pela sua inteligência privilegiada, como pelos altos dons espirituais de bondade que accentuam todo e qualquer caráter, na demonstração de grande luz que guia a humanidade, conhecida pelo suave e brando nome de virtude.
Seu estylo é macio como um arminho, pois nelle esta o reflexo da alma de quem o fez. Os assuntos de seus escritos, medram pela singeleza como que, com nervoso de ferir alguém.
Retrata Ella também, sua vida, que é sempre pautada m nunca melindrar quem quer que seja.
Espíritos assim têm muito que produzir, não podem viver no marasmo pernicioso da ociosidade intelectual.
Dolores Cavalcanti, alma mística, sempre em preces nos tepos, esquecida de que pode ser a nossa Auta de Souza, com seu estylo seráfico.
Adelle de Oliveira, que talvez pela sua convivência com as letras, no mourejar de professora, sempre nos lega, bellas produções, não se negando a um smola, quando se bate à porta de sua alma Lyra mágica.
Augusto Meira, o qual por mais que nos roube o Pará, seu talento sempre é nosso pela tradição de sua família. Daqui destas collunas, embora atrevidamente, pedimos sua collaboração para edições de honra, por termos o exemplo de que grandes árvores, a colhem sempre os pequenos que lhe suplicam um pouco de sombra, para descando de um jornada longa.
Seu talento faz ephoca, sua collaboração a qualquer jornal, seu estylo é escola e sua bondade caracteriza seu coração.
Coma boa vontade de todos, pode muito bem um dia, “Folha do Valle” ser grande como a terra que lhe serviu de berço; productivo como o Valle que lhe emballa o somno e abençoada por toda uma geração, que há de se formar em sua fenda, ouvindo e guardando santamente as lições dos mestres acima.
No próximo número trataremos dos “novos” espíritos, ainda em formação, e já dominados pela moléstia dos velhos – a preguiça literária.

“Zé do Patú”

Analisando os textos publicados 70 anos passados verificamos que a realidade atual não é muito diferente, daquela, tão preocupadamente publicada pelos colunistas Aluizio e Zé do Patu.

Atualmente os produtores de arte de nossa província estão, também, hibernando intelectualmente, uma vez que não temos o hábito de apreciar, fruir e consumir cultura.

Nossos artistas precisam de espaço e incentivo para que possam produzir com qualidade, pois, não adianta criarem suas obras sem podê-las comercializá-las adequadamente.

É necessário desenvolvermos meios onde nossa arte possa chegar até a formação escolar de base, pois, acredito que a solução está nas séries iniciais de nossas escolas, lá, poderemos fazer um trabalho primitivo em que as crianças tenham os primeiros contatos com a arte e cultura de nossa terra, através de oficinas permanentes de artes visuais, música, dança e teatro.

O ensino da arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico e da percepção estética, que caracterizam um modo próprio de ordenar e dar sentido à experiência humana, desenvolvendo sua sensibilidade, percepção e imaginação, tanto ao realizar formas artísticas quanto na ação de apreciar e conhecer as formas produzidas.

Ernest Fisher, em seu livro “A necessidade da arte”, diz que um artista só pode exprimir a experiência daquilo que seu tempo e suas condições sociais têm para oferecer. Para ele a subjetividade de um artista não consiste em que a sua experiência seja fundamentalmente diversa da dos outros homens do seu tempo e de sua classe, mas consiste em que ele seja mais forte, mais consciente e mais concentrada.

A arte capacita o homem para compreender a realidade e o ajuda não só a suportá-la com a transformá-la, aumentando-lhe a determinação de torná-la mais humana e mais hospitaleira para a humanidade. A arte é uma realidade social.

A função da arte não é a de passar por portas abertas, mas, a de abrir portas fechadas. Quando o artista descobre novas realidades, porém, ele não o consegue apenas para si mesmo; ele realiza um trabalho que interessa a todos os que querem conhecer o mundo em que vivem, que desejam saber de onde vêm e para onde vão.

Assim como a linguagem representa em cada indivíduo a acumulação de milênios de experiências coletiva, assim como a ciência equipa cada indivíduo com o conhecimento adquirido pelo conjunto da humanidade, da mesma forma a função permanente da arte é recriar para a experiência de cada indivíduo a plenitude daquilo que não é, isto é, a experiência da humanidade em geral. A magia da arte está em que, nesse processo de recriação, ela mostra a realidade como passível de ser transformada, dominada e tornada brinquedo.

Ceará-Mirim é um celeiro de artistas em todas as áreas, poderia elencar dezenas de nomes, no entanto, citarei alguns como: Santana, Careca e Naldo Santiago, Mucio Vicente, Cresio Torres, Mizael Neto, Allan e Alex Miranda, Miguel Neto, Luciano, Joãozinho Sobral, Daniel Torres, Vilela, Cícero e Julio Siqueira, Ojuara, Alice Brandão, Thiago Varela, Vera Barreto, Vanilde Machado, Francisco Januncio, Francisco Navegantes, Fabio Luiz, Palhaço Pipoca, Grupo Renovação, Louc’art, escritores e historiadores como Helicarla Morais, Caio Azevedo, e tantos outros que ficaria cansativo citá-los aqui.

Nossos artistas são eternos divulgadores das alegrias e tristezas de nossa terra e, certamente, nunca deixarão de nos presentear com suas obras, porque enquanto a própria humanidade não morrer, a arte não morrerá.

domingo, 27 de dezembro de 2009

A FEIRA LIVRE - Pedro Simões

Lendo o livro do meu amigo Pedro Simões “De quando tudo era azul” achei muito significativo o capítulo XVII que trata da feira livre de Ceará-Mirim lá pelas décadas de 1940 e 1950.
À medida que devorava as páginas, fechava os olhos e caminhava junto com o autor por entre as bancas, sentindo o cheiro da feira, ouvindo os burburinhos dos feirantes... é como se estivesse vivendo aquele momento tão romântico, um dia em passado muito remoto... e tão presente.
Resolvi publicá-lo em meu blog, e, também, usá-lo como trabalho nas disciplinas de Cultura do RN e Artes que ensino na Escola Estadual Prof. Otto de Brito Guerra.


“As feiras – Domingo era dia de folia. Ou não. Poderia ser no Sábado. Eram as usinas quem decidiam se seria a Sexta-feira ou o Sábado o dia do pagamento. Em decorrência de tal decisão, a feira só poderia ocorrer no dia subseqüente ao do pagamento, no Sábado ou no Domingo. E era na feira onde começava a folia, numa das inúmeras “bancas” ao ar livre, na “quadra” do mercado, ou nos “locais”, dentro do prédio público. O freguês tomava uma e outras e voltava feliz para casa, sem pensar na segunda-feira seguinte.


O prédio do mercado público da cidade foi construído pelo coronel Onofre José Soares, pai do “major” Onofre Soares Junior, que obtivera concessão do então governo provincial para explorá-lo durante vinte anos. Foi inaugurado em 1881 com manifestações de desagrado por parte do povo, rezam as crônicas, tendo em vista uma postura municipal haver determinado a mudança da feira que tradicionalmente se realizava na rua Grande, para as dependências do novo prédio. Mesmo sob o protesto, a feira, então, passou a ser realizada inicialmente dentro do prédio e depois, em torno dele.
A feira era, e ainda é, uma instituição sócio-econômica da maior importância, sobremodo nos anos cinqüenta.
Todas as ruas convergem para o “quadro” do mercado e de lá saem para o interior, num incessante ir e vir de caminhões, cavalos, burros, carroças e bicicletas. O mercado público é como uma gigantesca centopéia que oferece os seus membros a uma comunidade de formigas.
O mercado é também uma central de informações, das mais triviais – quem chegou e quem partiu ou os últimos boatos da cidade – até as mais importantes, como o resultado do jogo do bicho, o preço da tonelada de cana e as cotações de feijão, do milho, da mandioca e da farinha.
As feiras realizavam-se aos sábados, mas todos os dias os feirantes permanentes – pequenos comerciantes que não tinham um “ponto” para negociar – armavam as suas barracas estimulando a freguesia com pregões cantados ou versejados.
Do burburinho dos feirantes, destacavam-se dois setores do comércio: os vendedores de ‘mangaio’ e os curandeiros com seus remédios milagrosos, aliás, extensões do mesmo ramo de negócios. Os ‘mangaieiros’ trabalhavam com ervas, raízes e pedras, cada produto com a sua indicação terapêutica peculiar, alguns com diversificadas panacéia. A maioria dos curandeiros era composta por charlatões. Aqui e ali, muito esporadicamente, identificava-se um produto com cura atestada pela tradição, diferentemente dos mangaieiros, referenciados pelos hábitos da população pobre e por remotíssima tradição oral. Os curandeiros trabalhavam com componentes fantásticos, taticamente escolhidos para criar ilusões nos adquirentes: óleo d boto, para aumentar a virilidade; barbatana de cação, para dar força e valentia;gordura de ‘peba’ para fechar o corpo contra as ‘mulestas’. Até o caldo da ‘xamexuga’ já foi oferecido para impaludismo, por aí se veja...

Dentro do mercado ficava os ‘locais’. Eram boxes mantidos por inúmeras gerações da mesma família, que mantinham fiéis à venda de determinados produtos, comercializados apenas no mercado: artigos de couro, cipó, palha, flandres e certo tipo de miudezas. E também as comidas prediletas dos feirantes: caldo de cana, bolo preto, da moça, de macaxeira, de batata e de mandioca; prato-feito de almoço com carne de sol, feijão e farinha de mandioca, com direito a umas colheradas de paçoca e a um pouquinho de torresmo; café da manhã farto; xícara grande de café-com-leite, cuscuz com ovos, macaxeira, queijo do sertão, tapioca e pão com manteiga.


A relação dos produtos vendidos encheria muitas folhas de papel almaço. Chapéu de couro, rebenque, botinas e alpercatas de couro cru, sela e arreios, cangalhas, peneiras, raladores de côco, coadores, cuscuzeiros, chaleiras, candeeiros e lamparinas, penicos, bruxas de pano, mochilas, chapéus e esteiras de palha trançada, cachimbo, fumo de corda e fumo caipira para cigarros, esculturas de barro (boi, vaqueiro, cavalo, farinhada, forró, casamento, cantoria...) quadros emoldurados com figuras de santos, espingardas de soca, facões e peixeiras, bainhas, redes de dormir e de pescar, malas de madeira (maletas e malotas), caçuás de cipó, espelhinhos redondos e ovais, pavios para os candeeiros, canivetes de ‘gilete’, livrinhos de cordel, cintos e cinturões, copos e xícaras de alumínio, brinquedos toscos de madeira, destacando-se o boneco pulador e o “João redondo”. Que ninguém possa esquecer dos barulhentos rói-rois.

A praça do mercado era o centro comercial da cidade, fato que não incomodava nem preocupava os renitentes proprietários de casas residenciais. Os mesmos permitiam a utilização dos quintais como guardadouros de animais e de gêneros. Punham grandes jarras de barro nos alpendres como depósito d´água para serventia da sede dos feirantes. A hospitalidade aos interioranos era praxe na cidade, mas não havia promiscuidade. Cada família ou região contava com casas determinadas. Aquelas cujos proprietários tinham fazendas nas regiões dos hóspedes, ou suas empregadas tinham ligações familiares, ou eram agregados políticos ou afilhados. Esses apresentavam outros, que iam se incorporando à hospedaria. A obrigação dos hospedeiros era a de oferecer sombra, água e depósito. Um desses proprietários tinha um caminhão de três boléias, denominado ‘misto’, exatamente porque transportava passageiros e cargas, que tinha a concessão da linha que margeava a ribeira do vale.


O quadro do mercado era uma só festa de confraternização, alegria e muita conversa arrastada dos homens e a animada boataria das mulheres, que nem parecia que tinham se encontrado no dia anterior. Era uma profusão de cores, sons e cheiros. Muita gente descalça, ou calçando chinelas e alpercatas. Raros de botinas, mais raros ainda de sapatos. Muita gente de chapéu de palha, inclusive algumas mulheres. Poucos de chapéus de couro. Mais raros, ainda, de chapéus de massa. Calças caqui com camisas de algodãozinho e vestidos de chita. Cheiro estonteante e suor, cachaça, água de cheiro, banha nas carapinhas, colorau, dendê, peixe de sal preso, esterco e urina de animais, sarapatel, buchada e torresmo, couro cru, goiaba, manga e tempero verde.
A feira era uma festa, mesmo que não fosse, mesmo que não quisesse, mesmo que não pudesse. Os cantadores atraíam o público fervoroso, aboletados em tamboretes, apoiados nas mesas dos bares, com os violões a tiracolo. Os vendedores de cordel amplificavam os versos dos autores em engenhosos cones de folha de flandres colados à boca. A banha de porco, além da natural serventia para os assados triviais e as frituras, era anunciada também para esticar o cabelo e ser usada como lubrificante pelos noivos.
Os políticos andavam prá lá e prá cá, exibindo-se para o eleitorado do interior. Ora pagavam uma ‘chamada’ de cana para um grupo, ora presenteavam as mulheres e os velhos com ‘santinhos’ de padre Cícero e Frei Damião. Dependendo, davam panos e água de cheiro às matriarcas. Quanto maior a família, mais valioso o presente. Se estivesse pertinho das eleições punham uma chapinha com o nome dos candidatos dentro do embrulho do presente.
A hora de voltar era a hora de voltar, marcada pelo excesso de cachaça, pelo cansaço, por algum mal acontecido ou pelo prenúncio da escuridão. Então, era hora de selar e arrear os cavalos, tirar o sapato apertado, ou embarcar nos carros de boi e carroças, ou nas carrocerias dos caminhões e voltar ao assunto para mais uma semana.
Na feira ainda ficariam os desempregados e os mendigos, catadores de restos de alimentos ou que barganhavam os refugos dos vendedores. Um deles recolhia os restos do chão, quando pechinchava as miuçalhas dos feirantes, para fazer o “caldo da ressaca”, também chamado “caldo da caridade”, uma mistura de verduras, ossos e “péia” de carnes que levantava até defunto.”

A MANHÃ VERDE CINZA

11 de Dezembro de 2009... O centenário de nascimento do menino Lauro!!! Nascido no engenho Verde-Nasce e levado pelo vento às terras Guararapes.
Cada vez que leio a obra de Nilo Pereira descubro uma nova paisagem real e sentimental que faz visualizar um Ceará-Mirim totalmente emocional, cujo destino, sempre, está carregado de nostalgia e quimera, no entanto, sinto cada vez mais um anseio de coragem e disposição para manter o desejo de protegê-la do esquecimento.
Nilo Pereira escreveu em suas memórias, passagens pela cidade que tanto amou. Esse texto aqui reproduzido é parte de um capítulo de seu livro Rosa Verde publicado pela editora da Universidade de Pernambuco, em 1982.

A MANHÃ VERDE-CINZA

Lauro voltava sempre à sua velha cidade. Ia conferindo os lugares da infância. Vendo e revendo, que não é ver novamente, mas ver por dentro. A paisagem crescia de tamanho sentimental vista de longe. Esse era o segredo da dimensão romântica.

Estava na Matriz, diante do altar de Nossa Senhora da Conceição. A Virgem olhava para ele e ele a via com olhos de menino. O menino que acompanhava a avó nas missas dominicais. O menino que fez parte da Conferência de São Vicente de Paulo.
A Matriz lhe trouxe recordações. A festa de Nossa Senhora da Conceição nunca lhe saiu da lembrança. Vivia ansioso que chegasse o dia 08 de dezembro. O altar iluminado. Ela com uma coroa de estrelas. O Ceará-Mirim em peso na igreja. Do lado de fora barracas. A charanga tocando. O povo aos pés da sua padroeira.
Ali também estava um pouco do menino que começava a sentir palpitações diferentes no seu coração ingênuo. Candinha, uma das namoradas, não tirava os olhos dele. Em casa, diante do espelho de moldura dourada, passara cosmético no cabelo, que ficava de um negrume quase feroz.
D. beatriz costumava dizer:
_ Nem parece que teve os cabelos louros. Para que tanto cosmético?
Estava na moda. Candinha gostava de ver o cabelo assim negro, correto, brilhante.
O próprio Lauro, ao ver as tranças louras que sua mãe lhe mostrara, quase nem podia acreditar que fossem dele.
A festa da padroeira reunia a cidade e o vale. Era grande o movimento. A cidade saía da sua madorra habitual, movia-se, agitava-se, como se estivesse impelida por um gênio diferente: era a devoção tradicionalmente popular.
Estando ali na Matriz, de volta ao seu cenário de adolescência, Lauro lembrou-se de que nunca havia subido às torres do velho templo. Dizia-se que não se podia ter maior nem mais larga visão do vale.
Ele subiu. A escada tremia no seu abandono de muitos anos. Muita gente havia passado por ela, galgando aquelas alturas para ter o seu deslumbramento. Agora era a vez de Lauro. Lá em cima escreveria o seu nome, como tantos outros escreveram. E, depois, diria a Candinha a sua aventura, que ela reclamava há muito tempo.
Eis diante do menino – embora já homem feito – o panorama maravilhoso.
Caía sobre o vale uma neblina transparente. O verde era cinzento. A manhã verde-cinza.

Os olhos do menino se alongavam sobre o vale, coberto de névoa misteriosa, que quase escondia os engenhos e as usinas. Ele estava no alto das torres. A visão se alargava. Vinha do Gênesis. A cidade, aos seus pés, parecia dormir. Lá adiante, no verde escuro da paisagem sonolenta, uma tradição parecia morrer.
O Guaporé, imerso na neblina, s7onhava a sua grandeza morta. Tudo fechado. Onde estavam aqueles que povoaram a casa-grande abandonada. Por que esse castigo se abatera sobre aquela solidão?

CASA GRANDE DO ENGENHO GUAPORÉ

Não havia resposta para essas perguntas. O tempo era o tecido que se esgarçava com a neblina fina inconstante e lírica, que compunha o cenário bíblico.
Tudo era sereno, Lauro compreendeu, então, que só o mistério é capaz de vencer o tempo. Por isso a ficção é mais do que a realidade. Aquela neblina era a fantasia; a realidade que ela escondia se mostrava na evidência plena do sonho, da imaginação criadora, que é um momento de Poesia e de Amor.
Lembrou da sua infância. Das cheias do rio Ceará-Mirim. Das caminhadas a pé pelo vale. Dos cambiteiros dos engenhos. Os escravos. As mucamas. As amas-de-leite. Os cocheiros de velhas caleças senhoriais. Amores que foram felizes ou infelizes. Preces que subiram aos céus em,m noites de angústia. O sofrimento de uma gente – pobre ou rica – que arfava na densidade úmida do nevoeiro.
Sentiu-se um exilado. Havia alguma coisa que lhe feria a alma. Era a saudade, talvez. Talvez a ânsia de voltar. De nunca ter saído.
Mas também pensava que o exilado vê melhor quando volta. Os que nunca saíram, não sentem o impacto da beleza, mesmo quando essa beleza seja tão extraordinária.
A paisagem era aquela que Lauro tinha diante dos olhos. Apenas, a manhã acontecia diferente. Havia muito sortilégio naquilo tudo, que adormecia ao palor das horas indecisas.
Como se não faltasse nada mais para a vida daquele quadro ancestral, os sinos dobraram. Tinham um som langoroso, espaçado, ritual. Anunciavam alguma coisa. A neblina servia de lençol para encobrir e proteger as coisas vulgares. Tudo era grandioso.


RUÍNAS DO ENGENHO CARNAUBAL

Para os velhos engenhos Lauro volvia a sua emoção, na manhã bíblica. Estavam adormecidos. Era um domingo. As chaminés não tinham fumaça. Os que vieram para a missa das nove horas, celebradas pelo Cônego Celso Cicco, já haviam voltado aos engenhos e às suas casas, na “rua”.
Lauro fixava os seus olhos na casa-grande do engenho Guaporé. Via-se a si mesmo, na calçada, correndo de velocípede.
O rio Ceará-Mirim estava seco. Nem parecia o deus rugindo nas cheias do ano passado. Por onde andavam as lavadeiras, que vinham com as suas trouxas de roupa e se entregavam à sai faina?
A beleza da manhã impedia qualquer pensamento menos devoto. Lauro estava arrebatado pelo feitiço da aparição. Perdia-se gostosamente naquele espaço imenso, solitário e mudo. E sabia que, ao deixar a cidade, levaria consigo a carga emocional daqueles instantes de fuga, preparados por Deus.
Despediu-se do vale, já que estava no alto das torres da Matriz. Teve lágrimas piedosas diante de tudo. Trazia consigo o segredo maravilhoso da sua cidade encantada, um reino fabuloso, onde a infância era a grande força do tempo e a poeira da eternidade.
Aquele não era propriamente um dia de chuva. Era um dia de penumbra. Macio e idílico. O menino nascido no Verde-Nasce se preparava para voltar. Nunca se sentiu tão preso á sua terra e à sua gente como nesse momento. De regresso a Natal, enquanto o nevoeiro se diluía, ele pensou que não veria mais o Ceará-Mirim assim tão misterioso e poético.
De fato, nunca mais viu. A manhã da criação era somente aquela. Não se repetiria. Como não se repetiu a manhã em que Deus criou o mundo e o verbo se fez carne.

domingo, 13 de dezembro de 2009

BOCA DA NOITE

O Boca da Noite é um evento que foi idealizado pelo ator e diretor de teatro Mucio Vicente em parceria com o Conselho Comunitário do Bairro de Cinco Bocas - através do presidente Zezinho -, Luci, proprietária da Pizzaria Fornalha e Associação Cultural Engenho das Artes.

Afinalidade do evento é realizar apresentações culturais na Praça das Cinco Bocas uma vez por mês. Serão viabilizadas atrações musicais, exposição de artes plásticas e artesanato, contação de histórias, apresentação e animação com palhaços, apresentações teatrais, etc.
A primeira edição do Boca da Noite foi neste domingo - 13/12/2009, a partir das 17 horas. A programação contou com várias apresentações. Inicialmente o artista Miguel Neto fez um monólogo no papel de um matuto que contava causos. Em seguida os atores Babi e Marcelo da Companhia Louca'art apresentaram uma contação de histórias representadas por Luluzinha e Gigante. As crianças foram muito participativa e enriqueceram ambiente com suas interferências, ora aplaudindo e ora, interferindo diretamente como se fizessem parte no espetáculo.
A exposição foi abrilhantada com os trabalhos de Santana cujas esculturas se destacaram pela forma como o artista dá vida aos personagens, sejam eles bíblicos, orixás ou personalidades conhecidas. Além de Santana, o artista plástico "internacional" Ojuara também esteve contribuindo com trabalhos em tela cuja técnica é exclusividade do mestre. O artista Vilela mostrou vários trabalhos em tela onde retratava casas grande e engenhos do vale de Ceará-Mirim. O professor Gibson Machado expôs as fotografias de seu livro Ceará-Mirim memória iconográfica.

As atrações musicias ficaram por conta de Joazinho e Mizael Neto. Eles foram muito aplaudidos e a platéia participou cantando e dançando.
O mestre Bocão também participou com sua equipe de capoeira fazendo um belo show de movimentos e acrobacias, nos quais a principal atração foi o Maculelê, principalmente na magia do fogo. Foi fantástico!!!
Finalmente, Mucio Vicente encerrou o evento com alguns causos matutos já conhecidos através de seu trabalho magnifico de ator e divulgador de cordel.
Agradecemos a todas as pessoas envolvidas no evento, principalmente Misael Neto que contribuiu com o equipamento de som. Sem isso seria impossível realizar a festa. Agradecemos também ao público que foi fiel ficando até o final do show.

É necessário que as pessoas que gostam de cultura e arte compareçam ao evento e, àqueles que podem contribuir com qualquer ajuda, procurem a coordenação do projeto, pois toda realização tem um custo e nossa equipe não tem como manter, um evento dessa natureza funcionando plenamente, sem patrocínios e apoio cultural.


Fazer arte e levar cultura às pessoas é um alimento para a alma de qualquer artista e produtor cultural. É sentir-se extasiado quando identificamos a felicidade e alegria do público através dos cumprimentos e do aplauso.

O SOBRADO DOS ANTUNES E A MENINA MADALENA

O SOBRADO DOS ANTUNES E A MENINA MADALENA
Rosana Mendonça Rodrigues
O Rio Grande do Norte preserva algumas construções arquitetônicas bastante marcadas pelo período neoclássico. Em Ceará Mirim, destaca-se, dentre outras, o sobrado dos Antunes, localizado na principal avenida da cidade - Rua General João Varela - construído em 1888, por José Antunes Pereira, um cearense, coronel da guarda nacional, pai de Maria Madalena Antunes Pereira. O prédio é de grande importância histórica para o município por ter sido cenário de reuniões entre políticos, intelectuais e comerciantes, na época de maior pujança econômica e política do município, quando foi também palco de grandes encontros, festas e saraus. Para Umberto Peregrino ele “não tinha propriamente beleza, mas a severidade das suas linhas antigas impressionavam”. O sobrado tem uma fachada principal de concepção simétrica, uma porta de acesso emoldurada por duas colunas e um frontão curvilíneo, com a inscrição ANTUNES. As esquadrias da casa são de madeira pintada e vidros, com todos os vãos em arcos plenos, características do estilo neoclássico. No ano de 1978 o sobrado foi restaurado pela Fundação José Augusto. Ainda conserva características internas originais, como parte do assoalho, a escada interna e todas as molduras de madeira, que são de pinho-de-riga. No livro Oiteiro, escrito por Maria Madalena Antunes Pereira, o sobrado representa o “símbolo de uma modesta grandeza”. Dali ela contemplou, por muitos anos, através de suas amplas janelas, “o esmeraldino brilho dos canaviais” e sentiu, através do vento, “o aroma do fumo das chaminés distantes (...) quais turíbulos espargindo por toda a parte o incenso do trabalho”. Suas reminiscências, assim como os escritos de Nilo Pereira e Umberto Peregrino, tornaram-se valiosas fontes de leitura para os curiosos em conhecer o passado do Ceará–Mirim, a ascensão e a decadência da atividade açucareira no Rio Grande do Norte e os acontecimentos do cotidiano vivido num sobrado que se erguera com a prosperidade dos bangüês, enquanto o açúcar dera dinheiro. A perspectiva do sobrado, feita por Madalena, revela o cotidiano de quem viveu num passado senhorial e escravista. Para alguns, Madalena foi apenas a figura de uma menina de origem patriarcal, filha de um senhor de engenho; para o escritor Nilo Pereira, uma “sinhá”. Umberto Peregrino a definiu como “senhora e alma daquela casa....guardava uma nobreza magnífica. Espírito claro e amável, bondosa e acolhedora”. Com suas memórias, publicadas em 1952, Madalena juntou-se ao pequeno grupo de mulheres que, independente de seguir um determinado estilo literário, lançou-se às letras com o propósito de deixar registros de um passado no qual não era somente o negro que clamava por liberdade. Também a mulher, não obstante sua cor ou condição social, sentia-se “escrava” do tempo e dos costumes. Quanto ao sobrado, presença marcante daquela época, é atualmente a sede da Prefeitura Municipal. De suas janelas, assim como o fazia Madalena, pode-se contemplar a imensidão do vale. Com um pouco de imaginação, ouve-se o apito do trem, com a sua fumaça (re)acendendo a lembrança de um passado que foi do senhor de engenho, da sinhá, do escravo, da senzala, da cana de açúcar. Completa-se, assim, um ciclo de fantasias e de sonhos.
Fonte: Ceará-Mirim tradição, engenho e arte - SEBRAE - 2005 Org.: Raimundo Arraes, Inalda Marinho, Daiane Luz e Gibson Machado.

sábado, 12 de dezembro de 2009

MANHÃ VERDE CINZA

11 de Dezembro de 2009... O centenário de nascimento do menino Lauro!!! Nascido no engenho Verde-Nasce e levado pelo vento às terras Guararapes.
Cada vez que leio a obra de Nilo Pereira descubro uma nova paisagem real e sentimental que faz visualizar um Ceará-Mirim totalmente emocional, cujo destino, sempre, está carregado de nostalgia e quimera, no entanto, sinto cada vez mais um anseio de coragem e disposição para manter o desejo de protegê-la do esquecimento.
Nilo Pereira escreveu em suas memórias, passagens pela cidade que tanto amou. Esse texto aqui reproduzido é parte de um capítulo de seu livro Rosa Verde publicado pela editora da Universidade de Pernambuco, em 1982.

A MANHÃ VERDE-CINZA

Lauro voltava sempre à sua velha cidade. Ia conferindo os lugares da infância. Vendo e revendo, que não é ver novamente, mas ver por dentro. A paisagem crescia de tamanho sentimental vista de longe. Esse era o segredo da dimensão romântica.




Estava na Matriz, diante do altar de Nossa Senhora da Conceição. A Virgem olhava para ele e ele a via com olhos de menino. O menino que acompanhava a avó nas missas dominicais. O menino que fez parte da Conferência de São Vicente de Paulo.
A Matriz lhe trouxe recordações. A festa de Nossa Senhora da Conceição nunca lhe saiu da lembrança. Vivia ansioso que chegasse o dia 08 de dezembro. O altar iluminado. Ela com uma coroa de estrelas. O Ceará-Mirim em peso na igreja. Do lado de fora barracas. A charanga tocando. O povo aos pés da sua padroeira.
Ali também estava um pouco do menino que começava a sentir palpitações diferentes no seu coração ingênuo. Candinha, uma das namoradas, não tirava os olhos dele. Em casa, diante do espelho de moldura dourada, passara cosmético no cabelo, que ficava de um negrume quase feroz.
D. beatriz costumava dizer:
_ Nem parece que teve os cabelos louros. Para que tanto cosmético?
Estava na moda. Candinha gostava de ver o cabelo assim negro, correto, brilhante.
O próprio Lauro, ao ver as tranças louras que sua mãe lhe mostrara, quase nem podia acreditar que fossem dele.
A festa da padroeira reunia a cidade e o vale. Era grande o movimento. A cidade saía da sua madorra habitual, movia-se, agitava-se, como se estivesse impelida por um gênio diferente: era a devoção tradicionalmente popular.

Fotos de Gibson Machado

Estando ali na Matriz, de volta ao seu cenário de adolescência, Lauro lembrou-se de que nunca havia subido às torres do velho templo. Dizia-se que não se podia ter maior nem mais larga visão do vale.
Ele subiu. A escada tremia no seu abandono de muitos anos. Muita gente havia passado por ela, galgando aquelas alturas para ter o seu deslumbramento. Agora era a vez de Lauro. Lá em cima escreveria o seu nome, como tantos outros escreveram. E, depois, diria a Candinha a sua aventura, que ela reclamava há muito tempo.
Eis diante do menino – embora já homem feito – o panorama maravilhoso.
Caía sobre o vale uma neblina transparente. O verde era cinzento. A manhã verde-cinza.
Os olhos do menino se alongavam sobre o vale, coberto de névoa misteriosa, que quase escondia os engenhos e as usinas. Ele estava no alto das torres. A visão se alargava. Vinha do Gênesis. A cidade, aos seus pés, parecia dormir. Lá adiante, no verde escuro da paisagem sonolenta, uma tradição parecia morrer.
O Guaporé, imerso na neblina, sonhava a sua grandeza morta. Tudo fechado. Onde estavam aqueles que povoaram a casa-grande abandonada. Por que esse castigo se abatera sobre aquela solidão?
Não havia resposta para essas perguntas. O tempo era o tecido que se esgarçava com a neblina fina inconstante e lírica, que compunha o cenário bíblico.

Tudo era sereno, Lauro compreendeu, então, que só o mistério é capaz de vencer o tempo. Por isso a ficção é mais do que a realidade. Aquela neblina era a fantasia; a realidade que ela escondia se mostrava na evidência plena do sonho, da imaginação criadora, que é um momento de Poesia e de Amor.
Lembrou da sua infância. Das cheias do rio Ceará-Mirim. Das caminhadas a pé pelo vale. Dos cambiteiros dos engenhos. Os escravos. As mucamas. As amas-de-leite. Os cocheiros de velhas caleças senhoriais. Amores que foram felizes ou infelizes. Preces que subiram aos céus em,m noites de angústia. O sofrimento de uma gente – pobre ou rica – que arfava na densidade úmida do nevoeiro.
Sentiu-se um exilado. Havia alguma coisa que lhe feria a alma. Era a saudade, talvez. Talvez a ânsia de voltar. De nunca ter saído.
Mas também pensava que o exilado vê melhor quando volta. Os que nunca saíram, não sentem o impacto da beleza, mesmo quando essa beleza seja tão extraordinária.
A paisagem era aquela que Lauro tinha diante dos olhos. Apenas, a manhã acontecia diferente. Havia muito sortilégio naquilo tudo, que adormecia ao palor das horas indecisas.
Como se não faltasse nada mais para a vida daquele quadro ancestral, os sinos dobraram. Tinham um som langoroso, espaçado, ritual. Anunciavam alguma coisa. A neblina servia de lençol para encobrir e proteger as coisas vulgares. Tudo era grandioso.
Para os velhos engenhos Lauro volvia a sua emoção, na manhã bíblica. Estavam adormecidos. Era um domingo. As chaminés não tinham fumaça. Os que vieram para a missa das nove horas, celebradas pelo Cônego Celso Cicco, já haviam voltado aos engenhos e às suas casas, na “rua”.
Lauro fixava os seus olhos na casa-grande do engenho Guaporé. Via-se a si mesmo, na calçada, correndo de velocípede.
O rio Ceará-Mirim estava seco. Nem parecia o deus rugindo nas cheias do ano passado. Por onde andavam as lavadeiras, que vinham com as suas trouxas de roupa e se entregavam à sai faina?
A beleza da manhã impedia qualquer pensamento menos devoto. Lauro estava arrebatado pelo feitiço da aparição. Perdia-se gostosamente naquele espaço imenso, solitário e mudo. E sabia que, ao deixar a cidade, levaria consigo a carga emocional daqueles instantes de fuga, preparados por Deus.
Despediu-se do vale, já que estava no alto das torres da Matriz. Teve lágrimas piedosas diante de tudo. Trazia consigo o segredo maravilhoso da sua cidade encantada, um reino fabuloso, onde a infância era a grande força do tempo e a poeira da eternidade.
Aquele não era propriamente um dia de chuva. Era um dia de penumbra. Macio e idílico. O menino nascido no Verde-Nasce se preparava para voltar. Nunca se sentiu tão preso á sua terra e à sua gente como nesse momento. De regresso a Natal, enquanto o nevoeiro se diluía, ele pensou que não veria mais o Ceará-Mirim assim tão misterioso e poético.
De fato, nunca mais viu. A manhã da criação era somente aquela. Não se repetiria. Como não se repetiu a manhã em que Deus criou o mundo e o verbo se fez carne.