terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

ADELE DE OLIVEIRA

TRIBUNA DO NORTE – Natal, Domingo, 13 de março de 1983

ADELE DE OLIVEIRA – FEMINISTA QUASE INÉDITA
Por Gumercindo Saraiva
Quando em 1974 escrevemos em T. N. uma série de quase cinqüenta crônicas intituladas – CEARÁ-MIRIM – TERRA DE NOSSA INFÂNCIA – recebemos cartas elogiosas de Nilo Pereira, Edgar Barbosa, Rui Pereira, Meira Pires, Oliveira Junior, Clodomil Cabral da Trindade, Luiz Alves Correia, Franklin Jorge, a maioria, poetas, reconhecendo a pesquisa publicada acerca dos costumes, tradições e crendices, durante o tempo em que residimos naquela cidade, ocasião em que nos deram o título de “cidadão cearamirinense”, como fizeram outras cidades, inclusive, “Cidadão Natalense”.
Interessados na complementação de biografias de seus ilustres voltamos várias vezes à Ceará-Mirim, o mais se distanciavam de nós, os informantes, nada sabendo sobre os assuntos palpitantes, isto, com relação aos poetas do vale, esquecidos, e alguns, residindo no Rio, São Paulo e rio Grande do Sul. Contudo, atingimos o alvo de nossos desejos, conseguindo um “punhado” de poemas da poetisa da terra, que fora nossa professora – Adele de Oliveira – nome consagrado do movimento feminista no Rio Grande do Norte, quando em 1028 iniciava-se em natal os primeiros passos, com a presença da escritora e socióloga Berta Luztz.
MODESTIA DA POETISA PREJUDICOU SUA VIDA
Em 1928, Adele de Oliveira estava com seus 45 anos, pois, há dúvida quanto a época do seu nascimento. Ezequiel Wanderlei, (1872-1933) em “Poetas do Rio Grande do Norte” (1922) registra a data de 1855, ano em que nasceu a poetisa, mas, é sabido que houve um equívoco e por isso Rômulo Wanderley, em “Panorama da Poesia Norte-Rio-Grandense”, 1967, biografando a poeta não menciona a data. E, de uma simplicidade fora do comum, podemos afirmar que Adele de Oliveira, vivia escondida para a cultura potiguar. Não publicava seus poemas, não dava entrevistas, trocava de assunto, quando alguém perguntava-lhe acerca de correspondência mantida na juventude, com intelectuais paraenses onde seu nome era muito conhecido. Da cultura norte-rio-grandense, salientava, o nome de alguns poetas de sua terra, dando lugar de destaque a Juvenal Antunes com quem mantinha uma amizade partida da infância. Mas, na intimidade, não aceitava o humor na poesia do amigo, abusando, como todos sabem, da riqueza possuída em sua cultura poética.
Duvido que tenha havido no Rio Grande do Norte outro poeta do timbre de Juvenal Antunes, escrevendo prosa e verso, com uma linguagem cristalina, pura sem mancha. Como é sabido, somente com o movimento modernista de 1922, houve uma ligação entre a poesia e o humor, cuja separação e rompimento, vieram com o advento do romantismo, parnasianismo e o simbolismo, proibindo terminantemente resquícios de ironia na estrutura de seus estilos. Adele de Oliveira vivendo intelectualmente na fase do Modernismo, jamais aceitou sua doutrina, como diziam, nascido para acabar com o academicismo, e, com poderes para a criatividade brasileira.
O ineditismo na vida intelectual de Adele de Oliveira é um fato que deveria ser estudado separadamente, visto que há muita versão e mesmo depois de muitas entrevistas com a poetisa, jamais ela revelou aquela simplicidade até irritante. E, como dissemos-lhe certa vez, na residência do Dr. José Tavares, jamais compreendíamos sua vida enclausurada, isto é, afastando-se voluntariamente do grupo de intelectuais de sua época, oportunidade em que sempre era visitada por Otoniel Menezes, João Estevão Gomes da Silva, Dr. Abner de Britto , Marcos Falcão, Nascimento Fernandes e tantos admiradores que visitavam a terra de Edgar Barbosa e Nilo Pereira.
No início da década de trinta, residindo de vez em natal, quando viajávamos a Ceará-Mirim, sempre procurava nossa professora, a fim de ser obsequiado com seus poemas, e ela, dando um “não”. Mas, o “não” da poetisa era pronunciado com meiguice, carinho e afago, não sabendo ela que, após sua morte, fomos premiados com uma coleção de versos da melhor qualidade, oferta espontânea do Dr. Ciro Tavares, aumentando, assim, material pertencente ao seu livro “Retalhos de Sonhos”, que ainda havemos de publicar para melhor ser conhecida na nova geração.
Às pessoas mais íntimas, Adele de Oliveira, revelava que seu maior desejo era ver seu livro editado, fato que não aconteceu em vida. Caso isso não fosse realizado, ordenou aos familiares que “tocassem fogo em tudo que escrevera”. Hoje, possuímos seus versos, mas, gostaríamos de conseguir um “Diário” que se encontra em poder de uma amiga, em cujo documentário encontramos reminiscências valiosa para o complemento de sua biografia.
O primeiro poema, Adele de Oliveira compôs aos quinze anos de idade, quando falecia seu pai, viajando de Belém para natal. Vejamos parte desse primor que a poetisa intitulou:
A BORDO
Mar e céu. Mar e céu! No convés do navio
Eu contemplava o mar soluçando e bravio.
As ondas majestosas, vinha se espraiavam.
Em rugidos de dor que nunca se acabavam.
Na linha do horizonte o céu se unia ás águas
E tudo tinha um tom de tristeza e de mágoas.
Chamei-o em vão! Em vão beijei-lhe a face fria.
Sempre o mesmo silêncio e a mesma agonia.
Que martírio meu Deus! Que horror! Que desconforto!
Cruel desilusão!Meu pai jazia morto.
NEM UMA NUVEM PELO ESPAÇO HAVIA...
Trata-se de um clássico da poesia norte-rio-grandense. Adele de Oliveira compôs o soneto, com um pouco de mágoa, pois, desejava que o amigo demorasse mais em sua presença. Diziam, até que era um amor incubado, sem jamais efetivá-lo visto que, apenas por correspondência, trocavam beijos e abraços. É, que o personagem residia bem ao Norte do Brasil, e, quando retornava à terra, emaranhava-se na boemia, juntamente com Prisco Rocha, Macuca, Gabriel Saraiva, Chico de Lima, Dr. Oscar Brandão, e, alguns notívagos, cantando modinhas, acompanhadas Poe violões dolentes e flautas de sons aveludados.
O enamorado, não resistindo à tentação dos amigos que o esperavam no pátio da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, teria dito – e Adele – começa o soneto:
- Eu vou embora, antes que chova. E ela, que de perto dele sempre estar queria, o espaço olhou com perplexão singela, nem uma nuvem pelo espaço havia.
Seguindo Adele de Oliveira, o seu amigo morreu, solteiro, no ano de 1941, em Manaus, sem poder publicar seu último livro: “Cartas a Laura...”
ADELE DE OLIVEIRA PRESA EM SUA TERRA
EM 1935, Adele de Oliveira, inconformada com os desmandos políticos existentes em Ceará-Mirim, foi presa e levada pelas ruas da cidade, até ao Presídio, onde passou quase um dia, juntamente com ladrões, assassinos e marginais, aguardando que um tenente comissionado, por sinal vindo da Paraíba, ouvisse depoimento forçado, declarações, daquela figura tão querida em sua terra. Contudo, com mais algumas horas, eis que o prefeito, usineiro Luiz Lopes Varela, mandou libertá-la, para alegria de todos. Qual o crime praticado pela poetisa? Apenas, certa vez, numa roda de amigos, comentou as arbitrariedades do interventor Mário Câmara, governando o Estado numa fase das mais difíceis em sua política partidária. Lamentamos que este fato não tenha sido registrado para nossa história, juntamente com o famigerado King Kong, o terror do “Grande Ponto”, no início da década de 30.
MAIOR POETISA DE CEARÁ-MIRM
Maior no sentido estético, na filosofia das belas artes. Adele de Oliveira viveu princesa em Ceará-Mirim, sua terra, fazendo crescer ali, um magistério. Um mundo de inteligência, por onde passaram vultos que hoje engrandecem a cultura potiguar. Mais tarde, morreu rainha, sentada num trono cheio de glória, após ter cumprido sua missão no professorado da terra.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

UMA CIDADE MENINA

Sempre que estou organizando meus arquivos fico surpreso com as pérolas que ainda não tive oportunidade de ler. Assim foi com o texto do escritor cearamirinense Alcides Vilar de Queiroz: Uma Cidade Menina publicado em 20 de junho de 1982. Infelizmente não tem qual o nome do jornal para que pudesso publiacar a fonte.


Foto do Centenário de Ceará-Mirim - 30 de julho de 1958

UMA CIDADE MENINA

Alcides Francisco Villar de Queiroz
Natal, Domingo, 20 de junho de 1982


Uma cidade faz cem anos e eu a sinto desabrochante, menina-moça a me despertar enlevo, a reascender encantos e, na distância, a fazer renascerem mais fortes as imagens que na melancolia do exílio cultivei sempre como chama votiva a iluminar caminhos incansavelmente trilhados na infância, e rostos já emoldurados no tempo. E esse lume brilha hoje intensamente, ao lado das cem velas que o Ceará-Mirim está acendendo para comemorar a Lei nº 387, de 9/6/1882, que a transformou de “Briosa Villa” em cidade. A vila nascida briosa pela memória dos gloriosos feitos do seu filho maior – Dom Felipe Camarão – e moldada foi pelo trabalhado incansável de homens valorosos, de autênticos semeadores de progresso, ditosa se tornaria ao longo dos tempos, como agora se vê, neste centenário, ao perceber que as gerações primeiras não contiveram apenas em si o dom maior do valor e do saber, mas os germinaram pelas sucessivas descendências. Assim, as sementes de riqueza, de fé incomensurável no futuro do chão amado, lançadas por pioneiros como um Dr. Victor de Castro Barroca (seu primeiro Juiz Municipal, senhor de engenho fidalgo e grande incentivador da instalação ali, na sua Boca da Mata, da sede do Município), de um Manoel Varella do Nascimento (Barão de Ceará-Mirim, benfeitor maior dos patrimônios da Matriz e do Município) e toda uma plêiade de homens ilustres que não seriam possível aqui citar, mas cujos sobrenomes ainda hoje são respeitosamente repetidos, por si e por seus descendentes, como os Raposo da Câmara, Pereira Sobral, Ribeiro Dantas, Meira, Pacheco, Antunes, Carrilho, Pereira e tantos outros de beneméritos aristocratas cearamirinenses, se multiplicaram em benefício próprio e se irradiaram por distantes paragens. Tanto na vida pública como nos meios intelectuais, Ceará-Mirim sempre viu filhos seus nas primeiraslinhas, como Augusto Soares Raposo de Câmara, vice-governador do Estado, alçando-se em várias ocasiões ao primeiro posto os desembargadores Elviro Carrilho da Fonseca e Silva, Virgílio Octávio Pacheco Dantas e Fábio Máximo Pacheco Dantas na alta magistratura do antigo Distrito Federal e do Estado; João da Fonseca Varella tornando-se General Honorário por sua atuação na Guerra do Paraguai; o advogado, mestre e Senador José Augusto Meira Dantas feito parlamentar pelo Estado do Pará; Luiz Lopes Varela, o fidalgo continuador das tradições de nobreza da Usina São Francisco, assumindo um mandado no Senado da República; o historiador Rodolfo Garcia na Academia Brasileira de Letras, assim como Edgar Barbosa foi e Nilo Pereira e Sanderson Negreiros são membros ilustres da Academia Norte-Riograndense de Letras. Nomes sem conta de poetas, advogados, jornalistas, médicos, administradores e empresários encheriam as páginas da história de Ceará-Mirim de brilhantismo.
Não cabe a mim, filho humilde e distanciado no tempo e no espaço, levantar a voz para enaltecer as velhas figuras e as doces imagens deste Ceará-Mirim centenário. Incontida, porém, como as cheias do rio a inundar o vale primoroso, a emoção deste filho saudoso transborda e se espraia em lembranças já confusas, mas de um amor desmedido. E as recordações desfocadas pela distância se tornam ainda mais belas, e a minha cidade emerge como um sonho, um bonito sonho, nos recônditos de uma alma apaixonada, tal como se o Ceará-Mirim tivesse sido para mim o amor perdido e jamais desaquecido. Vejo, sobretudo a também centenária Igreja de Nossa Senhora da Conceição, majestosa como todo o Vale, construída grandiosa talvez para o alto da colina poder dominá-lo, para bem vigiar,para manter sob seus olhares de bênção, usinas e engenhos, casas-grandes e palhoças, todos quantos no verdejante canavial construíam suas riquezas, sua sobrevivência. Revejo o velho Cemitério onde tantos mortos queridos, tantos conhecidos de outras épocas, repousam finalmente, embalados pelo silêncio, pelos leves gemidos dos ciprestes ao vento e, sobretudo, pela minha prece e pelo recordar contínuo. O Colégio Santa Águeda, belo na sua arquitetura e na sua missão (fecho os olhos e ouço o rumor de hábitos passando, das Gabriela, Natália – a quem tanto devo – Ângela, Do Carmo, Cristina: todas Maria, todas santas). Olho a chaminé pioneira do Carnaubal, ainda testemunhando, como tantas outras, o passado mais esplendoroso. As ladeiras, as ruas povoadas de humildes caminheiros como Amaro do Pote, Sabina, Chica Beiju-Quente; relembro a fiel presença de Abel Correia na Casa Paroquial; peço a bênção à velha catequista Dª Senhorinha e ainda pareço ouvir as serenatas dos boêmios José Lemos, Gabriel e José Wilson, enchendo de acordes as noites do vale. Recordo a imponência do Coronel Felismino Dantas, diariamente passando na sua carruagem em direção ao engenho, elegante como se indo estivesse a uma reunião da câmara dos Lordes; a pomposidade das missas cantadas que o Monsenhor Celso Cicco oficiava com o esplendor de um pontifical romano; as multidões piedosas das Missões de Frei Damião e o sino povoando de sons a cidade na despedida de tantos.
E nesse saudoso rememorar, imagino o Ceará-Mirim querido e distante, esta cidade museu de emoções, engalanado e festivo, altivo em suas torres e chaminés, o canavial acenando ao vento mais efusivo na saudação à grandeza, mantendo vivo na memória das gentes um acervo grandioso de fatos e de nomes que é preciso preservar para a posteridade. Não pode ser esquecido, por exemplo, um Frei Serafim de Catânia lançando em 21/2/1858 a pedra fundamental da Imponente Matriz (completada em 1900); o vasto rol de filhos da terra bacharéis de Olinda, encimado por José Carrilho do Revoredo Barros, da turma de 1874,ao lado de uma vasta galeria de médicos formados na Escola da Bahia; a ação marcante de Manuel de Gouveia Varella,instalando luz elétrica na cidade durante a sua gestão como prefeito; o Coronel Onofre José Soares e erigindo o Mercado Municipal, fator de tão amplo desenvolvimento para o comércio local, e a sua ativa vida literária,iniciada com o jornal “A Escola”, dos pioneiros Meira e Sá, Ronaldo Brandão, Olinto Meira e Vicente Inácio Pereira, em 1837.
Há fatos e nomes em profusão a serem recordados. Toda uma história bonita está para ser escrita e que somente enche de orgulho a quantos nasceram na centenária Ceará-Mirim ou a elegeram como sua pátria. O filho ausente nada mais pode fazer além de amá-la e senti-la cada vez com maior intensidade, mesmo sabendo-se incapaz de atingir a dimensão de afeto que como cronista-amante Nilo Pereira dedica à terra querida, em que encontra “vestígios do paraíso perdido”. À distância, recordo com saudade imensa a minha Cidade do Ceará-Mirim, essa exuberante menina-moça de cem anos.